Canto XX

Vala dos adivinhos

Da nossa posição sobre o quarto valado pude ver procissões caladas caminhando e ouvir o seu pranto. Mas quando olhei com mais atenção eu vi, com espanto, que todas as pessoas tinham a cabeça torcida. Só podiam andar para trás, pois olhar para frente não lhes era permitido. Vendo tal imagem torta e as lágrimas que vertiam descendo pelas nádegas, não pude conter-me e chorei também.

- Ainda estás com esses tolos enganadores? - perguntou-me o guia, repreendendo-me - Aqui, neste lugar, a piedade vive quando a piedade é morta. Quem pode ser mais cruel que o homem que tenta controlar a vontade divina? Levanta o rosto e veja Anfiarau que tentou fugir da guerra, mas foi engolido pela terra até chegar a Minós, que no fim, a todos aferra. Sabes por que ele e os outros têm a cabeça virada para trás? É porque em vida quiseram demais ver adiante. Foram todos adivinhos e astrólogos que agora só podem olhar para o passado. Olha lá Tirésias que foi homem e também mulher, vê Aronta e também Manto, que deu o nome à cidade de Mântua, onde nasci.

Depois de mostrar a vidente Manto, Virgílio me contou como ela percorreu o mundo por muitos anos até encontrar uma planície desabitada no norte da Itália e lá se estabelecer para praticar magia com seus servos. Lá ela morreu e lá deixou seus ossos, sobre os quais foi construída uma cidade, que ganhou o nome de Mântua.

- Mestre - respondi - tua explicação eu sinto tão certa, que outra seria como carvão extinto. Mas dize, dessa gente que passa, se há alguma outra digna de nota.

- Sim, aquele ali cuja barba se espalha do queixo sobre suas costas é Eurípiles - mostrou Virgílio - e aquele outro, magro, é Michael Scott, que sabia tudo sobre magia. Vê Guido Bonatti e vê Asdente, que hoje deseja ter sido mais dedicado na arte de fazer sapatos. Mas agora vamos, pois a lua cheia já se põe e o dia já amanhece.

E enquanto ele falava, nós andávamos.