Página em construção - conteúdo provisório, sujeito a alteração.

Canto II

Chegada à esfera da Lua —Explicação sobre as manchas da Lua

Vós que acompanhais, em vossos pequenos barcos, minha nau que cantando navega por estas águas desconhecidas, voltai agora para as vossas praias, e não vos aventureis no mar onde, afastados de mim, estareis perdidos. Lanço-me em águas nunca dantes navegadas. Minerva inspira minhas velas, Apolo me conduz e as nove Musas mostram-me as Ursas. Que me acompanhem, nesta viagem, apenas aqueles poucos bravos que desde cedo buscam sabedoria. Eles ficarão mais admirados que os argonautas ao verem Jasão arando na Cólquida.

Beatriz olhava para o céu, e dela eu não afastava meus olhos. Em menos tempo que leva uma flecha para atingir o alvo, me vi num lugar tão maravilhoso que tive que parar de olha-la para contemplar. E ela, percebendo minha sede de saber, logo a saciou:

— Agradece a Deus — disse — pois Ele já nos juntou à sua primeira estrela.

Era como se nós estivéssemos cobertos por uma nuvem espessa, lúcida, sólida e polida, como um diamante ferido por um raio do Sol. A Lua nos recebeu inteira, como água recebe a luz.

Não sei se eu era corpo. Na Terra um corpo sólido não pode ocupar o mesmo espaço que outro corpo sólido, mas quando nos unimos à natureza divina, tudo o que antes só se podia crer através da fé passa a ser uma verdade evidente.

— Minha senhora — eu disse —, estou profundamente agradecido Àquele que me elevou do mundo dos mortais, mas dize-me o que são essas manchas escuras que cobrem este corpo? Lá da Terra, elas tem despertado histórias sobre Caim.

Ela sorriu um pouco, e depois respondeu:

— É natural que a especulação humana chegue a falsas conclusões quando não existem meios de deduzir as verdades por causa dos seus limitados sentidos ou pelas asas curtas da razão. Mas dize o que tu acreditas que seja a causa destas manchas.

— Eu imagino que sejam causadas por densidades diferentes da matéria que forma a Lua — respondi.

— Estou certa que concordarás que tuas crenças são falsas se prestares atenção aos contra-argumentos que irei te apresentar. — disse Beatriz. — Na oitava esfera, das estrelas fixas, luzes de diferentes qualidades e intensidades se organizam de forma irregular. Se isso fosse causado apenas por diferentes densidades, a mesma virtude estaria presente em todas as estrelas, em quantidades maiores ou menores. Mas as constelações mostram diferentes virtudes derivadas de vários princípios formais que tua razão rejeitaria todos exceto um. Além disso, se a matéria mais rara em algumas partes fosse a causa das manchas na Lua ela ou seria em algumas partes transparente, ou teria faixas de raro e denso como as partes gordurosas e magras da carne. Se o primeiro caso fosse verdade, a luz do Sol deveria atravessar as partes raras durante um eclipse solar, o que não acontece de fato. Vamos então analisar o outro caso e, se ele também for refutado, falsa será a tua teoria. Desde que as partes rarefeitas não atravessem todo o corpo, haverá alguma parte onde a matéria densa irá impedir a passagem da luz, que então será refletida. Dirás que o raio que é refletido da parte mais distante do corpo deve retornar mais escuro, mas dessa dúvida poderás livrar-te através da experiência. Consiga três espelhos. Coloque dois diante de ti a igual distância e o terceiro entre os dois porém mais distante. Faça com que haja uma luz atrás de ti que reflita nos três simultaneamente. Embora a luz mais distante aparente ser menor que as outras duas, deverás concluir que o seu brilho é o mesmo.

— Agora — continuou Beatriz — irei revelar-te uma verdade tão viva que irá piscar na tua mente como uma estrela. Dentro do céu da divina paz, gira um corpo cuja virtude contém a essência de tudo o que existe. O céu seguinte, através de suas inúmeras estrelas, reparte essa virtude em diferentes essências, dele distintas e no entanto, nele contidas. Os outros céus, por várias diferenças, dirigem suas qualidades distintas aos fins a que se destinam. Estes órgãos do mundo seguem, de grau em grau, recebendo do alto e agindo sobre os que estão abaixo. Assim como a alma que habita teu corpo distribui as faculdades a cada um dos teus membros, a suprema Inteligência distribui a sua virtude por todas as esferas celestes. Diferentes virtudes se adaptam a cada corpo celeste que ganha vida, assim como a alma mescla-se com um corpo humano. Pela alegre natureza da qual deriva, essa virtude no corpo reluz, assim como a alegria brilha através dos olhos. É essa virtude, e não as densidades, que causam as diferenças de luz que nós vemos. É esse o princípio formal que produz, conforme a sua virtude, o turvo e o claro.