Canto XXVI

Vala dos maus conselheiros - Espírito de Ulisses

Alegra-te Florença pois és tão grande que até pelo inferno o teu nome se expande! Cinco eminentes florentinos encontrei naquele fosso, o que me fez sentir vergonha de ti.

Subimos pela escada de pedras que havia sido o caminho pelo qual havíamos descido. Ele ia na frente e me puxava rochedo acima, apoiando-se nas rachaduras, por onde o pé não podia avançar sem a mão.

A oitava vala resplandecia de chamas. Isto pude ver quando meus pés chegaram a um ponto onde o fundo já aparecia. As chamas não estavam imóveis. Elas se moviam continuamente como gente o que me levou a imaginar que mantinham em sua custódia um pecador. O meu guia, como sempre adivinhando meu pensamento, confirmou:

- Em cada fogo há um espírito que é torturado pelo fogo incessante.

- Ó mestre - perguntei -, isto que acabas de falar eu já tinha adivinhado, mas dize-me quem está naquele fogo duplo, com uma chama dividida em duas pontas?

- Naquela chama - respondeu - sofrem dura pena Ulisses e Diomedes. Naquela chama se arrependem de ter tramado o logro do cavalo de Tróia e o roubo do Paládio.

- Podem eles falar através do fogo? - perguntei.

- Sim - respondeu o mestre -, mas deixa que eu fale, pois, sendo gregos, podem te desprezar.

Chegou o fogo a um lugar propício e o mestre se aproximou, perguntando:

- Ó vós que são dois dentro de uma única chama, se mereci de vós o meu viver, se mereci de vós alguma fama, quando no mundo meus altos versos escrevi, não vos moveis, mas que um de vós me diga onde foi perdido, para morrer.

A ponta maior da chama logo cresceu e começou a se agitar, e, como se fosse uma língua ondulando, virou-se para nós e falou:

- Quando descobri que nada podia impedir minha ânsia de viajar e conhecer o mundo, nem ternura de filho ao velho pai, nem o amor da minha Penélope, decidi explorar o mar aberto e profundo, acompanhado de minha tripulação fiel. Passamos da Espanha e Marrocos, e continuamos além dos pilares que por Hércules foram fixados, sinalizando aos homens que daquele ponto não passassem. Navegamos em mar aberto por cinco meses, com a vela sempre à esquerda, até que vimos no horizonte uma enorme montanha. Mesmo distante, apagada e escura, nunca eu vira outra assim tão grande. Mas nossa alegria durou pouco e logo transformou-se em pranto. Da nova terra saiu um grande redemoinho que atingiu a nossa embarcação na popa. Três vezes o barco rodou até que na quarta fomos sepultados nas profundezas do oceano.